quinta-feira, dezembro 21, 2006

Nostalgias...


Acordei com os gritos estridentes do despertador. Eram já horas de me levantar e ir trabalhar. Saí da cama a resmungar com o mundo e do pato cinzento que servia de sapato de quarto ao meu pé esquerdo estar trocado com o direito, um belo ursinho castanho. Tive de fazer algumas acrobacias para fazer o meu pé esquerdo entrar no local indicado da forma descrita na etiqueta do fabricante. “De uma só vez, introduzir a ponta com os dedos e com suavidade deixar o pé escorregar, até encontrar o calcanhar envolvido”. Não quero imaginar as formas de calçar de outros, para uma etiqueta tão descritiva. Levantei-me então. Rodeei a cama para chegar à casa de banho, agarrando de passagem o peixe de borracha laranja, para não estar tão só no duche. Aparentava estar frio no exterior, visto os vidros do quarto e da casa de banho estarem embaciados.

Depois de temperar a água do duche para os 38º, entrei com o peixe, pousando-o no fundo em local onde não pudesse escorregar. Comecei por me ensaboar, observando o que peixe mudara ligeiramente de posição mas sem me preocupar porque até os peixes de borracha sabem nadar.

Acabado o duche envolvi-me num toalhão felpudo, tento secar as gotas de água que ainda me cobrem o corpo. Finda a morosa e complicada operação pousei a toalha dobrada em guardanapo, no excêntrico banco cuja origem já esqueci.

Observei-me ao espelho: tenho um corpo magro sem sombra de gordura, devido às várias horas de exercício diário. Diria que ainda tenho uma expressão agradável, escondida por trás de uma bem conservada barba de três dias. Ajeitei o olhar com um pequeno toque nas sobrancelhas, dando-me um aspecto de George Clooney. “Sim... assim ficas apetitoso...” Digo para o espelho. Permito que a minha imagem lave os dentes e despeço-me dela enquanto me visto.

Vou trabalhar! Conseguem todos imaginar a mudança de expressão que se opera ao fecharmos a porta de casa, e que nos leva ao trabalho. Saio de casa já com o olhar triste, ombros encolhidos, os nervos em franja e um andar de decidido de quem sabe para onde vai.

Todos usamos esta farda que até as crianças aprendem a usar. As pastas das responsabilidade e os olhares tristes já são transportados pelos miúdos por quem passo. Pelo menos a camisola ainda está vestida ao contrário.

Hoje, na paragem de autocarro, há uma pequena diferença. Um menina de sorriso enorme que se transmite ao vestido, que faz lembrar férias, traz a mãe pela mão. Ao entrar no autocarro, o luminoso sorriso abranda o coração de quem o vê e atenua as expressões. Com o coração leve penso ainda que devíamos voltar ao semblante de quem vai trabalhar. Quando a criança sai, sempre a levar a mãe, sinto que me leva o sorriso e parte da alegria. O meu olhar volta aos poucos ao trabalho e os gestos tornam-se outra vez mecânicos.

Chegando ao local de trabalho, cumprimento educadamente o segurança, com o habitual par de estalos. A recordação da menina traz-me a imagem de férias com sol, a camisola tê e as areiálias. O sentir-me solto e com a alma aquecida. O dia não vai ser tão diferente dos outros apenas vou lembrar da luz intensa de um sorriso de férias.

Talvez sonhe com o menino que já fui, com um sorriso semelhante aquele do autocarro.

Escrito aos dezoito de fevereiro de dois mil

1 comentário:

Anónimo disse...

:) está muito melhor
parece-me mais escrita à bichotó.
continua a brindar-nos com os teus contos
beijinhos