sábado, agosto 25, 2007

Só mais uma noite...


O cheiro fazia lembrar o interior do motor de um autocarro. A música lembrava uma serração. O ambiente, um autentico circo. Apesar de estar apenas a assistir, também eu fazia parte do espectáculo. Um urso grandalhão, de camisa às riscas azuis e amarelas, foi arrastado por entre raios laser multicoloridos por uma mulher feita de borracha. Iniciaram, então, algures entre outros pares semelhantes, um estranho ritual de pré-acasalamento, pulando, ondulando, agitando os braços sobre as cabeças, num ritmo que pouco ou nada estava relacionado com as marteladas por trás da serra eléctrica. As mãos e o corpo exploravam o corpo do companheira, com as suas enormes patas estreitava-a com força. Perdi o interesse nestes. Não iria ver nada de novo ou diferente.

O meu olhar vagueou confusamente pelo resto do local, inconsciente da minha presença. De repente já não estava só. Uma enorme boca, com uma fileira de dentes perfeitos sorria a curta de distância, tentando formar sons audíveis no meio da construção do barco (tenho a certeza que era um barco que construíam, porque começava a ficar enjoado). Aproximei-me um pouco mais em duas ou três cabeçadas. Perguntou se podia beber o que eu estava a beber. Que não, que o copo era meu, mas se quisesse que pedisse um igual. Agora sorriram os olhos (maliciosamente?!), e perguntou, aproximando-se muito, se eu estava bem. O meu sorriso espraiou-se num mar de rum, e disse-lhe que sim. Começava agora a reparar nela: era uma mulher! Tinha um pequeno top branco de onde espreitavam uns mamilos curiosos. Já as calças terminavam com umas penas castanhas, o que me fez pensar “que raio de pássaro é esta?” Ela acompanhou o meu movimento de apreciação, com um gole do meu copo, que entretanto fugira em busca de umas mãos mais agradáveis. Não era o meu tipo de mulher.

Agradou-me no entanto não estar só. A conversa fluiu por imbecilidades que pouco ou nada tinham de importante, como: “como te chamas?” ou “o que é que fazes?”. Mas por aí se quebrou gelo e até o motor estava a cheirar melhor, e já eu estava a lamber o rum acumulado na garganta dela.

Perguntou-me se queria ir para outro sítio e eu concordei. Queria mostrar-lhe as coisas em que sou bom. Naquele momento já ela era o que havia de mais importante. Tinha uma cabeça inchada pelo alcool e outra pelo desejo. Vestiu um blusão com o peito de pomba que lhe faltava a ela e saímos como duas folhas ao vento, tropeçando até ao meu velho carro, que tantas noites me levara a casa.

Liguei o rádio de onde fugiu a leve melodia da Úrsula, “Fica com as tuas recordações que eu fico com as minhas” ou a apologia do cornudo. O carro, esse ciumento, embirrou que não pegava. Em arrastadas palavras expliquei-lhe que ele era o verdadeiro amor da minha vida. Por fim, no meio de negros soluços de rancor, lá se dignou a ronronar como um leão esfomeado.

Avançámos ao longo da Alam. 31 de Fevereiro , com fogo nas calças pois as mãos delas paravam tanto como as minhas que mal acariciavam o volante. Ela indicando, com a boca cheia, esquerda, direita... E eu acelerava. Todo eu acelerava. E o carro chateou-se de vez, deixando de nos guiar, com um súbito grito LEVA O TU! atirou-se para fora da estrada, saltando por cima de dois carros e espetando-se na montra de um stand de automóveis. Talvez tenha visto a berlina da sua vida.

Dou por mim com o volante retorcido, coberto de vidros e com algo que se assemelha a uma mulher no capot do carro. Parece ter uma massa de sangue no lugar da cabeça. A minha mão não pára de abanar, num ângulo algo estranho. O vómito nas calças e no tablier deve ser meu. A boca sabe-me a vómito. Apetece-me dormir.

Sem comentários: